Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de novembro, 2023

França: Sob os Holofotes (2021), de Bruno Dumont

France (Lea Seydoux) está em uma crise profunda, e como boa ricaça que é, irá resolvê-la com uma estadia numa clínica localizada nos Alpes Suíços. Enquanto deita em uma das espreguiçadeiras, admirando as montanhas geladas, uma mulher se aproxima, que começa a falar sobre as vantagens de se estar em um local tão exclusivo, “aqui é tão caro que os fãs não conseguem chegar para nos incomodar”, diz ela entre sorrisos, com France escutando, sem interesse de interagir de modo mais profundo. A mulher então repara nos outros habitantes da clínica, e se dá conta de que dois atores famosos estão ali, e passa a agir, bem, como um fã, animada, apontando para eles, a ironia da situação completamente perdida. France não é um filme sobre humanizar essas figuras elitizadas, mas sim de tirar um pouco o brilho do seu verniz, de apontar que elas, também, estão sujeitas às mesmas emoções e não ocupam um espaço diferente de todo o resto. Logo no início do filme, Bruno Dumont posiciona sua protagonista...

O Assassino (2023) - O longo processo de se entender no mundo

  O grande truque do liberalismo é dar um verniz brilhoso a posição do trabalhador, onde ele não é mais explorado pela sua força de trabalho, mas essa força é, justamente, o capital. Ninguém é mais trabalhador, funcionário, mas sim colaborador, ou empresário em potencial , cujo esforço particular o irá alavancar acima de todos. A narração inicial de O Assassino encarna perfeitamente certos ditames dessa visão, absolutamente individualista e além de ideologias. “Empatia é uma fraqueza”, enfatiza o protagonista sem nome que carrega o título do filme, interpretado por Michael Fassbender. Um mantra que será repetido ao longo do filme, assim como “não improvise, antecipe”. O que parece ser uma descrição muito objetiva de como as coisas funcionam, logo ela passa a revelar como o personagem se entende na sociedade: como um ser à parte, cujas ações não afetam tanto assim o mundo. Enquanto o discurso acontece, o assassino está realmente acima de todos, olhando por uma pequena janela a vi...

Uma Sepultura na Eternidade (1967), de Roy Ward Baker

  O horror da franquia Quatermass sempre teve mais a ver com as implicações que a história apresentava do que com os eventos em si. É claro que as criaturas alienígenas eram assustadoras, mas a descoberta da capacidade de reprodução do monstro em The Quatermass Experiment foi o ponto principal que tornou o alienígena tão aterrorizante, ainda mais quando percebemos que o protagonista, Bernard Quatermass, interpretado por Brian DonLevy na época, não se importava realmente com o fato de a humanidade estar próxima da extinção, sua única preocupação era que esses eventos atrapalhassem o desenvolvimento do seu foguete, experimento que deu origem a todo problema. Nos momentos finais da obra, o cientista caminha escuridão à dentro, determinado a seguir, independente das consequências. Em Quatermass II , a dominação alienígena é sutil, assumindo gradualmente o controle de membros do governo, protegendo a colonização por meios burocráticos, usando o exército e os políticos para se protege...

Cidade Maldita (1980), de Umberto Lenzi

  Há uma simplicidade no centro de Cidade Maldita, de Umberto Lenzi que é muito cativante. A tripulação de um avião militar, depois de voar demasiado perto de um local radioativo, transforma-se em monstros horrendos, causando estragos assim que saem da pista. Parte zumbis, parte vampiros, as criaturas não são estúpidas: podem usar ferramentas, armas, são capazes de organização e crueldade, brincando com as suas vítimas antes de as matar. A partir do momento em que os monstros aparecem, o filme não para mais, agarrando-se a uma trama mínima para prosseguir, acompanhando o protagonista, o jornalista Dean Miller (Hugo Stiglitz), pela cidade, tentando sobreviver ao lado da mulher. Entre cenas de carnificina e sangue, há também um enredo militar ocasional, com oficiais e cientistas a tentarem descobrir o que está a acontecer e como o impedir. É, obviamente, um filme feito de forma barata. A maquiagem é horrível e a atuação é superficial, e Lenzi, famoso por Cannibal Ferox , tenta co...

As contradições de Avatar e o nosso cinema

Ao rever Avatar mais de dez anos após sua estreia, uma palavra ecoou pela minha cabeça: revolucionário. Não no sentido tecnológico, exaustivamente abordado à época e levantado sempre que o filme é citado. Essa minha impressão se dá por conta de uma proposta do filme mesmo, que apresenta o modo de vida Na’vi como, essencialmente, completo. “Não sei o que podemos oferecer a eles que eles já não possuam” desabafa Jake Sully (Sam Worthington) em determinado momento, antes dele ir para o outro lado do conflito. Em um mundo tão interessado em ir para frente sem olhar onde pisa, a ideia que um modo de vida simples, em conexão com a natureza, baste, e pode ser até melhor que aquilo demarcado como “sociedade avançada”, ser apresentada em um blockbuster desse calibre, me pareceu algo profundamente transgressor. Essa revolução, entretanto, é falsa. Não há, nem hoje, nem em 2009, a possibilidade de Avatar ou James Cameron serem revolucionários no sentido sociocultural da palavra. Suas ideias...

BlackBerry - Quase nada é sério

Há certa graça e tragédia na mera ideia de um filme sobre o BlackBerry, hoje só lembrado como o celular que o iPhone tornou obsoleto. Tragédia, pois, ao iniciar a obra, sabemos que o fracasso é inevitável, por mais altos que sejam os voos, e a graça deriva dessa mesma fonte. Afinal, é comum as produções sobre empreendimentos bem-sucedidos e que moldam, de alguma forma, nosso mundo atual, como "A Rede Social ", os recentes "Air" e "Tetris" . Mas, com BlackBerry , a impressão é de que o diretor Matt Johnson quer brincar com os mitos que circundam a fundação de empresas de tecnologia, dando um aspecto exagerado a certos elementos. Basta observar, por exemplo, as óbvias próteses de calvície de Jim Balsillie, interpretado por Glenn Howerton de "It’s Always Sunny In Philadelphia" , mais um sinal da piada, aliás, ou a exagerada peruca de Mike Lazaridis (Jary Baruchel) e a onipresente bandana de Doug Fregin (Matthew Johnson) para perceber que, talvez, ...

Um Tiro na Noite (1981), de Brian de Palma

Brian De Palma ama cinema, mas também é extremamente cético em relação ao seu impacto no mundo. Essa relação conflitante com a sétima arte e seus métodos está no coração da narrativa de Um Tiro na Noite ( Blow Out ), um filme que, ao seu modo, navega pela história do cinema e usa de seus dispositivos para desvendar o mistério central. Abrindo com uma clara homenagem ao giallo , em um filme dentro do filme, DePalma apresenta o trabalho de Jack Terry (John Travolta), que trabalha com efeitos sonoros para uma empresa de filmes B. Uma noite, gravando sons para poder reutilizar nas produções, o som de um tiro muda a vida de Jack, seguido de um carro caindo em um lago próximo. Ao mergulhar para resgatar possíveis sobreviventes, Jack encontra duas coisas: Uma pessoa morta, cuja identidade ele desconhece, e outra ainda viva, uma mulher chamada Sally (Nancy Allen), que é levada ao hospital. Lá, Jack descobre que o outro ocupante do carro era o governador da Filadélfia, que estava à frente das...