Há certa graça e tragédia na mera ideia de um filme sobre o BlackBerry, hoje só lembrado como o celular que o iPhone tornou obsoleto. Tragédia, pois, ao iniciar a obra, sabemos que o fracasso é inevitável, por mais altos que sejam os voos, e a graça deriva dessa mesma fonte. Afinal, é comum as produções sobre empreendimentos bem-sucedidos e que moldam, de alguma forma, nosso mundo atual, como "A Rede Social", os recentes "Air" e "Tetris".
Esse trio representa temas importantes para a narrativa, cada um representando uma faceta do sonho empreendedor: Jim é o empresário impiedoso, encarnação do capitalismo selvagem, que não teme humilhar quem for para conseguir seus objetivos. Mike é o gênio, capaz de encontrar soluções onde ninguém as vê, mas absolutamente incapaz de gerir um negócio com a agressividade necessária. Já Doug é um aspecto mais inocente do business, que nunca deixa de ver a situação como uma reunião de amigos, o que tem seu valor, mas quando se há milhões de dólares em jogo, talvez seja mais um entrave.
Todos esses personagens são versões mais simplificadas de suas versões reais, simplificadas e exageradas, gerando uma rápida identificação de quem é quem na trama e ajudando também nos momentos dramáticos. Quando Mike deixa Doug para acompanhar Jim em uma negociação, entendemos que não é somente uma amizade que está se fragmentando, mas todo um aspecto de sua vida está sendo deixado para trás, para o bem ou para o mal.
Essa natureza simples de BlackBerry dá ao filme um movimento propulsivo aos acontecimentos, o espectador sempre entende o que está em jogo a cada cena e, paradoxalmente, ajuda a ilustrar a complexidade necessária para a criação de uma empresa. Sim, o pontapé inicial foi dado por um bando de nerds amantes de Doom, mas não dá para ser assim sempre; figuras como Balsillie são necessárias para dar andamento às coisas, mesmo que ele seja um dos principais pontos de derrocada da empresa no futuro.
O estilo adotado por Johnson amarra todas essas questões por adotar uma abordagem quase documental, abrindo mão da precisão e clareza que marcaram filmes similares, como o já mencionado A Rede Social ou Jobs, mas algo um pouco mais bagunçado, impreciso e realista. Realçando o quanto tudo o que estamos vendo está longe de ser o ideal, mas é o que funciona, até não dar certo mais.
A tiração de sarro é bem-vinda, mas acaba prejudicando a tentativa de seriedade próxima ao final: é impossível levar 100% a sério a peruca de Baruchel nos momentos finais do filme, quando as falcatruas cometidas no passado vêm à tona e a piada tenta ganhar ares mais maduros. Não dá certo, mas esse pequeno desvio não atrapalha o que veio antes, e BlackBerry se destaca no meio de tantas histórias mais elogiosas aos produtos e seus criadores.
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