France (Lea Seydoux) está em uma crise profunda, e como boa ricaça que é, irá resolvê-la com uma estadia numa clínica localizada nos Alpes Suíços. Enquanto deita em uma das espreguiçadeiras, admirando as montanhas geladas, uma mulher se aproxima, que começa a falar sobre as vantagens de se estar em um local tão exclusivo, “aqui é tão caro que os fãs não conseguem chegar para nos incomodar”, diz ela entre sorrisos, com France escutando, sem interesse de interagir de modo mais profundo. A mulher então repara nos outros habitantes da clínica, e se dá conta de que dois atores famosos estão ali, e passa a agir, bem, como um fã, animada, apontando para eles, a ironia da situação completamente perdida.
France não é um filme sobre humanizar essas figuras elitizadas, mas sim de tirar um pouco o brilho do seu verniz, de apontar que elas, também, estão sujeitas às mesmas emoções e não ocupam um espaço diferente de todo o resto.
Logo no início do filme, Bruno Dumont posiciona sua protagonista, a jornalista France de Meurs como alguém que existe, ou acredita existir, separada de tudo. Durante uma conferência de imprensa com o presidente francês, a personagem e sua assistente, Lou (Blanche) fazem caras e bocas uma para a outra, enquanto Emmanuel Macron discursa, sem que elas prestem atenção ao que está sendo dito, com a própria montagem isolando as duas dos outros jornalistas.
Esse distanciamento do mundo real começa a desmanchar após um pequeno acidente de trânsito, em que France derruba o motoboy Baptiste (Jewad Zammar), fazendo com que este desloque o joelho e fique impossibilitado de trabalhar, tirando uma das poucas fontes de renda que sua família possui. É uma situação relativamente pequena, mas que causa uma enorme crise na jornalista que a partir disso e de uma aproximação com a família de Baptiste, a quem começa ajudar como pode, e passa a chorar a menor menção do caso.
As consequências do evento são desproporcionais ao evento em si, mas que revela algo importante sobre a protagonista: o seu despreparo emocional em lidar com o real. France é cercada de artificialidades. Suas matérias são cuidadosamente dirigidas por ela mesma, sempre apontando para os entrevistados como e o que fazer, e Dumont faz questão de evidenciar o próprio artifício do cinema em algumas cenas. Repare como nas cenas de dentro de qualquer tipo de transporte, há pouco esforço e tornar aquele momento “real”, a fotografia digital do longa como um todo parece acentuar esse aspecto da falsidade.
Observa-se também essa dicotomia entre falsidade e realidade nas relações de France com outras pessoas, que não são muitas. As cenas com seu marido, Fred (Benjamim Biolay), são quase sempre marcadas por um distanciamento entre os dois, no único momento que Fred tenta se aproximar de sua esposa, não consegue, seu toque é envergonhado, incapaz de transmitir o carinho que seja. Mesmo quando France inicia um affair que parece partir de algo real, já que inicialmente o homem em questão diz nem saber quem ela é, revela-se falso, pois se trata de um jornalista que se aproxima dela em razão de um artigo que precisa escrever.
Em France, sua protagonista parece condenada a sofrer. Seu encontro
com a realidade não resolve nada, só a faz perceber o quanto tudo ao redor dela
é fabricado, e que sua posição não é tão especial assim. “Políticos querem
votos, jornalistas querem audiência, qual a diferença?” diz um político para a
apresentadora após um debate, aprofundando ainda mais a sua crise. Se a busca
por algo palpável só leva a mais mentiras, o que fazer senão chorar sempre que
puder?
Texto originalmente publicado no site Cineplot
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