Poucos conceitos sociológicos
permanecem tão atuais quanto o da “banalidade do mal”, cunhado por Hannah
Arendt durante o julgamento de Adolf Eichmann, onde ela observou que o nazista
não era uma grande mente do mal, mas sim um burocrata, cujo transporte e
extermínio de milhares de judeus era uma questão de cumprir ordens e fazer o
seu trabalho, pura e simplesmente.
Nesse sentido, Zona de
Interesse poderia ser chamado de “Banalidade do Mal – O Filme”, onde
diretor Jonathan Glazer busca retratar a vida “comum” de uma família nazista , que
é vizinha de Auschwitz, e o campo de extermínio é simplesmente a paisagem acima
do alto muro que circunda o ambiente dos Höss enquanto seus filhos brincam nos
jardins e a matriarca, interpretada por Sandra Hüller, recebe visitas e
coordena suas empregadas.
Formalmente, o longa é o mais
direto possível, as composições são estáticas, rígidas e evitando qualquer tipo
de manipulação emocional. Não há closes, por exemplo, e há uma certa
naturalidade na maneira que as situações transcorrem dentro do quadro, enquanto
ao redor, há a sugestão do horror. É comum que conversas cotidianas sejam
atravessadas pelo som de um ou dois tiros à distância, ou até mesmo de gritos.
Pego emprestado uma observação
feita pelo
diretor Paul Schrader em seu Facebook, onde ele aponta que todo o aspecto
formal do filme buscar forçar o espectador a procurar o que se esconde por
debaixo da superfície dessa aparente calmaria, a “desvendar o mistério”. No
entanto, o objeto de Zona de Interesse é fato extremamente conhecido.
Sabemos que, do outro lado do belo jardim dos Höss, a máquina nazista está a
todo vapor, coordenada, em parte, pelo pai, Rudolf (Christian Friedel), que
leva os filhos para pescar no rio próximo. Não há mistério a ser desvendado,
superfície a ser investigada, é tudo muito claro.
Assim, o que resta ao filme? O
afeto pelo seu próprio dispositivo narrativo, somente, que a partir do vigésimo
plano onde vemos as fumaças das incineradoras ao longe, ou mais uma conversa
acompanhada de tiros, mostra uma falta de visão sobre o tema para além do
óbvio. Sim, os nazistas viviam suas vidas normalmente enquanto atrocidades
ocorriam bem abaixo do seu nariz, e aí?
Há momentos em que a rotina e
violência se misturam de maneira mais incisiva, como no momento em que Höss
percebe que o rio onde seus filhos tomam banho está sendo usado para despejar
as cinzas dos judeus incinerados, ou quando sua mãe comenta sobre a
possibilidade de uma antiga vizinha estar em algum dos campos. Mas a tendência
é manter esses aspectos afastados, na periferia dos acontecimentos. É um
desconforto calculado, para chocar, de modo fácil, o público, e garantir que a
estrela seja as decisões estéticas tomadas por Glazer.
Esse apego revela sua fragilidade
na conclusão. Zona de Interesse sai dos anos 40 e vêm para os dias de
hoje, mostrando a limpeza de um museu do Holocausto. Não há mudança na maneira
de retratar essa cena, acompanhando as faxineiras em suas atividades, cercadas
dos utensílios deixados pelas vítimas do nazifascismo. Estaria Glazer sugerindo
que elas são alheias aos horrores que as circundam? Não acredito nisso, mas é o
que parece, conforme seus panos passam por cima de vidros que as separam da
pilha de sapatos, da mesma maneira que os Höss realizam suas atividades a um
muro de distância do Holocausto. Qual o legado de Rudolf para o futuro? As
memórias da destruição, ou a passividade diante do horror? Não há resposta nem
reflexão sobre isso, somente belas imagens.
Comentários
Postar um comentário