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Matador de Aluguel (2024) – Perdendo de vista o que importa

  O início de Matador de Aluguel conta com uma certa literalidade que irrita. Nada acontece sem que alguém faça um comentário sobre reforçando aquilo que já foi visto, o primeiro oponente de Dalton (Jake Gylenhaal) foge após vê-lo, somente para Frankie (Jéssica Williams), sua futura contratante, declarar que ele colocou medo no outro lutador. Essa tendência acabar por apontar algo válido, no entanto, ao chegar em Glass Keys, onde ele servirá de segurança na Taberna, bar de Frankie. Ele encontra Charlie, filha do dono da livraria local, que após saber quem ele é e porque está ali, aponta que é quase uma história de faroeste, onde um caubói forasteiro vem para proteger uma pequena cidade de bandidos arruaceiros. Matador de Aluguel não é um western , mas a certo mérito nessa observação, pois há certa importância, dentro do gênero, a relação que o protagonista constrói com o seu espaço. Só para citar um exemplo, em O Estranho Sem Nome , a presença do personagem de Eastwood muda f...
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Invasores de Corpos – Lições em Conformismo

  “ The Body Snatchers” , assim como o primeiro filme baseado na obra, Vampiros de Almas , se tornaram parábolas anticomunistas. As plantas que vieram do espaço vieram para transformar o bom indivíduo na parte de um todo, sem sentimentos, servindo somente ao bem maior da raça alienígena, ou, trazendo para a nossa realidade, ao Estado, cerceador de liberdades. Uma boa subversão realizada na versão de Philip Kaufmann, Invasores de Corpos , é de tornar a transmutação realizada pelos alienígenas como uma submissão ao status quo , e não tanto quanto uma inversão dos valores supostamente americanos, como nota o roteirista Mark Salisbury em seu texto para a BFI, o filme ‘sublinha o fim do "flower power" e o início da "Geração Eu".’ Uma profunda descrença com as instituições marca a narrativa do filme, especialmente quando ele se aproxima do final. Matthew Bennell (Kiefer Sutherland) busca, a todo momento, a ajuda de autoridades, somente para elas se mostrarem ineficie...

Culpa e Desejo - Facetas do Agir

  É uma sensação curiosa assistir Culpa e Desejo enquanto certas discussões simplórias sobre o filme Pobres Criaturas ecoam na internet. A obra de Lanthimos é de uma estranheza segura típica de um filme projetado para ser indicado ao Oscar, e mesmo sendo óbvio, diversos espectadores escolheram fazer a leitura mais rasa possível, posicionando Bella Baxter (Emma Stone) como uma figura sem agência, simplesmente levada adiante pelos desejos dos homens ao seu redor. Se mesmo diante do filme cujo texto deixa evidente que a protagonista está em plena posse das suas capacidades, me pergunto como essas pessoas lidariam com Culpa e Desejo , que mostra uma mulher, a advogada Anne (Léa Drucker), similarmente em completa posse de si mesma, mas cujas ações são repreensíveis. Se no filme americano isso é um ponto de partida para a protagonista se entender diante do mundo, a diretora Catherine Breillat propõe algo um tanto mais complicado. O longa gira em torno do relacionamento de Anne com ...

Garra de Ferro – Tragédia Greco-americana

  Esse texto discutirá a trama de Garra de Ferro em detalhes Ver Kerry Von Erich (Jeremy Allen White) deixando uma moeda no pequeno barco que navegava no além vida, logo após o seu suicídio, me remeteu imediatamente à Caronte, o barqueiro da mitologia Grega que transportava as almas pelo rio dos mortos. Assim, fiquei pouco surpreso com a declaração de Sean Durkin sobre o que o atraiu para a história de Garra de Ferro , que narra a trajetória família americana de luta livre profissional Von Erich: “Me pareceu uma tragédia grega”, declarou em uma conversa com o The Guardian. Há um quê de Atlas em Kevin (Zac Efron), cujo corpo musculoso parece servir para mais do que somente as lutas do esporte, mas também para sustentar o imenso peso da família. Após afirmar que gostaria de ter um rancho com espaço para toda sua família, Pam (Lily James) aponta que ele tem síndrome de irmão mais velho: “Você quer cuidar de todo mundo”. A postura de Efron ao longo do filme denota a mesma sensaçã...

Levante – O importante é não ficar no chão

  Levante é sobre corpo. Não faltam no filme closes de detalhes da nossa anatomia. Um músculo mais definido, uma injeção de hormônio na bunda, o esforço corporal necessário para levantar um peso de academia, no encontro entre bocas. Para o horror de certos setores da população, há nudez, mas bem longe de ser fetichista ou coisa do tipo, mas sim a representação de um grupo de pessoas que estão bem confortáveis consigo mesmas, muito obrigado. Esse conforto vem, é claro, da capacidade de se ter controle sobre ele próprio. Cada uma das personagens do longa dirigido por Lillah Halla é quem deseja ser, e isso reflete numa amizade onde todo mundo é confortável em se zuar, até de maneiras escatológicas. No início do filme, todas realizam pinturas faciais com sangue menstrual, e tiram uma foto no espelho. Mas, Levante também é sobre o que fazer quando querem impor controle sobre um corpo. Sofia ( Ayomi Domenica ), estrela do time de vôlei que faz parte junto com suas amigas, descob...

Dois Estranhos (2021), de Travon Free e Martin Desmond Roe

  Talvez a coisa mais famosa do filme Kapó , de Gillo Pontercorvo, não seja nada relacionado ao filme propriamente dito, mas sim da reação de certo crítico a uma decisão estilística do diretor. Em dado momento da história, que lida com os horrores do campo de concentração nazista, uma personagem comete suicidio se jogando contra uma cerca elétrica, após sua morte, a câmera reenquadra o corpo da personagem, ainda preso a cerca, se aproximando do mesmo e realizando um tilt para cima. É esse pequeno momento que resultou no texto “Da Objeção”, de Jacques Rivette, onde escreve que o homem que toma tal decisão merece “nada mais do que um profundo desprezo”. Esse provavelmente é um dos episódios mais emblemáticos sobre uma discussão que dura até hoje sem respostas muito concretas, que diz respeito ao como representar situações que requerem um pouco mais de responsabilidade por parte dos envolvidos. Como representar o holocausto? a escravidão?   Essas situações de sofrimento inima...

Ferrari - O que é um nome?

Saindo da sessão de Ferrari , minha recepção inicial foi de certa frieza. Com o cinema de Michael Mann, me acostumei com ritmos mais energizados de suas obras. Os tiroteios de Fogo Contra Fogo e Inimigos Públicos , o final grandioso, mas melancólico, de O Último dos Moicanos ou a simplesmente triunfal conclusão de Ali , que reafirma a posição do biografado como um dos maiores boxeadores de todos os tempos, encontrando o seu lugar no mundo. Não que Ferrari seja lento, tedioso ou coisa do tipo. O cuidadoso olhar de Mann para ação segue ali nas corridas, nos colocando ao lado do piloto, observando cada troca de marcha, freada, acompanhando cada curva fechada e aceleração. Mas esse não é o foco. Se com Muhammad Ali, em 2001, o diretor traça o retrato de um homem entendendo o seu poder e posição, com Enzo Ferrari (Adam Driver), a questão é outra. O lendário dono da Ferrari sabe exatamente quem ele é, mas o que isso significa para aqueles que o cercam? Ao invés de buscar representar to...