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Garra de Ferro – Tragédia Greco-americana

 


Esse texto discutirá a trama de Garra de Ferro em detalhes

Ver Kerry Von Erich (Jeremy Allen White) deixando uma moeda no pequeno barco que navegava no além vida, logo após o seu suicídio, me remeteu imediatamente à Caronte, o barqueiro da mitologia Grega que transportava as almas pelo rio dos mortos. Assim, fiquei pouco surpreso com a declaração de Sean Durkin sobre o que o atraiu para a história de Garra de Ferro, que narra a trajetória família americana de luta livre profissional Von Erich: “Me pareceu uma tragédia grega”, declarou em uma conversa com o The Guardian.

Há um quê de Atlas em Kevin (Zac Efron), cujo corpo musculoso parece servir para mais do que somente as lutas do esporte, mas também para sustentar o imenso peso da família. Após afirmar que gostaria de ter um rancho com espaço para toda sua família, Pam (Lily James) aponta que ele tem síndrome de irmão mais velho: “Você quer cuidar de todo mundo”.

A postura de Efron ao longo do filme denota a mesma sensação. Entre quatro irmãos, ele é o mais silencioso, de personalidade menos expansiva, seus ombros quase sempre caídos. Um homem grande, mas que sempre se diminui, especialmente diante do pai, Fritz (Holt McCallany), que trata a vida dos filhos como uma eterna competição: “Todos sabem quem é meu favorito aqui, mas esse ranking pode mudar”, destaca durante um almoço em família. A frase não chama a atenção de ninguém, e Durkin não filma a cena com grande drama, ficando num plano aberto mostrando todos os membros da família. É um almoço normal na família Von Erich.

Kevin é o protagonista de fato em Garra de Ferro, mas a história dos seus irmão é tão importante quanto. Além dele e Kevin, há David (Harris Dickinson) e Mike (Stanley Simons), e há um cuidado em torna-los distintos, mesmo que a narrativa não dedique muito tempo para explorá-los mais a fundo como no caso de Kevin, mas é o bastante para sentir o peso das ambições do pai em cima deles. Mike, por exemplo, quer ser músico, mas após uma (das várias) tragédia familiar, se vê nos ringues para manter o legado.

Esse extenso retrato da família Von Erich sofre de problemas típicos de cinebiografias, como a necessidade de capturar uma história complexa que atravessa décadas e diversos personagens em apenas duas horas, mas seus momentos de síntese são tocantes. A explosão de Kevin para com o pai após o suicídio de Kerry, por exemplo, encapsula a dor de um homem que só queria estar com seus irmãos, e o fracasso de Fritz como pai. Diante do luto, ele só consegue acusar Kevin de não ter tomado conta de ninguém.

“Nós seremos seus irmãos” é uma das últimas frases do filme, dita pelo filho de Kevin, no rancho que ele sempre sonhou. Um contraste enorme da relação do próprio com o pai. Um ciclo quebrado a muito custo, mas que o permitirá ser o pai que seus irmãos sempre precisaram, um companheiro que brinca de bola nos campos, não um empresário.

 


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