Levante
é sobre corpo.
Não
faltam no filme closes de detalhes da nossa anatomia. Um músculo mais definido,
uma injeção de hormônio na bunda, o esforço corporal necessário para levantar um
peso de academia, no encontro entre bocas. Para o horror de certos setores da
população, há nudez, mas bem longe de ser fetichista ou coisa do tipo, mas sim a
representação de um grupo de pessoas que estão bem confortáveis consigo mesmas,
muito obrigado.
Esse
conforto vem, é claro, da capacidade de se ter controle sobre ele próprio. Cada
uma das personagens do longa dirigido por Lillah Halla é quem deseja ser, e
isso reflete numa amizade onde todo mundo é confortável em se zuar, até de
maneiras escatológicas. No início do filme, todas realizam pinturas faciais com
sangue menstrual, e tiram uma foto no espelho.
Mas,
Levante também é sobre o que fazer quando querem impor controle sobre um
corpo.
Sofia
(Ayomi
Domenica), estrela do time de vôlei que faz parte junto com suas amigas,
descobre que está grávida. Ela tem 17 anos e está prestes a ganhar uma bolsa
para jogar no Chile, uma oportunidade única para mudar sua vida. Desnecessário
dizer que Sofia não tem o menor interesse em ser mãe nesse momento da sua trajetória.
Assim se inicia a
jornada de Sofia em reaver controle sobre seu próprio corpo, num país onde, não
muito tempo atrás, uma juíza tentou convencer uma criança de 10 anos a ter um
bebê. A falta de acesso a meios legais e seguros de se realizar o aborto impõem
à Sofia uma sensação de descontrole e ódio. Lillah busca uma iconografia
próxima do terror para explorar essa sensação, frequentemente comprimindo e
isolando Sofia dentro do quadro, reforçando sua sensação de alienação diante da
situação.
O contexto piora quando Sofia conhece Glória (Gláucia Vandeveld), que sob à guisa de ajudar a jovem a conseguir o procedimento, se revela ser uma fundamentalista anti-aborto, e passa atrapalhar a vida da jovem. Aqui, o filme correria o risco de individualizar uma questão sistémica, e focar na figura fácil da evangélica radical branca, mas Glória se torna apenas um conto de contato de Sofia com esse obstáculo. Levante é hábil em colocar essa opressão como algo existencial, onde cada passo de Sofia é vigiado por uma sociedade querendo impor sua verdade na jovem. A vizinhança logo se torna ameaçadora, com os vizinhos na sacada podendo ser possíveis observadores, prontos para denunciar seus movimentos.
Apesar do clima de sombrio,
Levante não se deixar levar pela tristeza. É um filme que lida com
momentos duros e delicados, mas que se preocupa em mostrar a importância da
solidariedade. Em certo pronto, fiquei receoso que a narrativa esqueceria do
vibrante grupo de amigas que estão ao redor de Sofia, mas elus firmam sua
presença, em contraponto a desesperança, realizando o possível para ajudar a
companheira em sua trajetória.
Assim, Levante
tem um ritmo parecido com o jogo de vôlei. A todo momento, parece que a bola
vai cair e tudo vai se perder, mas logo vem o rebote, e a partida continua. A
sua maneira, é um filme com um recado semelhante ao de Marte Um. Está
tudo fudido, mas vamos dar um jeito, mas se no filme mineiro, a resposta está
na capacidade de sonhar, Lillah aponta o caminho da festa e da camaradagem.
Estamos ferrados, mas temos uns aos outros.
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