É possível ter simpatia por algo que não seja parecido conosco? Essa talvez seja uma pergunta grande demais para um indivíduo responder, mas me peguei pensando muito sobre isso durante Diário de Uma Onça, documentário que chegou aos cinemas nesta quinta feira (30).
A obra é dirigida pelo trio Joe Stevens, Fábio Nascimento e Mário Haberfeld e propõe um dispositivo narrativo “inusitado”, que é o de contar a história de uma onça, Leventina, em primeira pessoa. Para isso, foi escalada a atriz Alanis Guillen, intérprete de Juma na nova versão da novela Pantanal.
É essa decisão que me fez refletir sobre a questão do início do texto. Stevens e Nascimento possuem ampla experiência com imagens da natureza, e o documentário é recheado de imagens da onça em seu habitat natural, detalhando seu comportamento no Pantanal. Mas não lhe é permitido ser “somente” uma onça-pintada, é preciso humanizá-la.
Entra a narração de Alanis que é, naturalmente, muito similar a voz de Juma. Se é uma escolha que faz sentido comercial - Pantanal sucesso e um documentário precisa de toda publicidade possível - narrativamente soa como uma falta de confiança nas imagens captadas ao longo de três anos, como se o público fosse incapaz de simpatizar com o animal ao menos que o entendesse como parte de uma “família” composta de vó, mãe, irmãos, e outros elementos que antropologizam a existência do animal. A onça-pintada não é merecedora de empatia simplesmente por ser, mas sim pois ela se parece conosco.
Guardada as devidas proporções, me lembra a decisão do remake de O Rei Leão em adotar um CGI fotorrealista, apagando a possibilidade da imaginação na trama. Aqui, as imagens são puramente belas e inusitadas, com pouco esforço em se criar um envolvimento com o espectador por meio das mesmas, é tudo nas palavras de um discurso raso,com frases prontas e muito semelhantes a correntes nas redes sociais sobre a importância da natureza.
Diário de Uma Onça quase aborda de modo direto os responsáveis pelas dificuldades encaradas por Leventina, especialmente no contexto das queimadas no Pantanal, mas sem citar nomes, tornando a ameaça que o agronegócio representa para a região um tanto abstrata. É possível fazer um filme em defesa da natureza sem citar seus agressores?
É um documentário inofensivo
nesse sentido, ninguém é abalado e não há provocações, mas faz todo sentido. A
parte final do trio de diretores, Haberfeld, é fundador da ONG que participa da
produção, “Onçafari”, cujos membros dão relatos até importantes, mas pouco
explorados. É uma obra institucional, feita para cumprir uma função. Por esse
viés, pode até chamar a obra de “bem sucedida”, pois informa minimamente sobre
os esforços da organização. Mas é só isso que um documentário pode fazer?
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